Armando Ferrentini*
A propaganda vem de sofrer mais um injusto ataque como atividade econômica e instituição, representado pela ação civil pública interposta pelo Ministério Público Federal – MPF – em São José dos Campos (SP) contra as três principais cervejeiras que atuam no mercado brasileiro (Ambev, Schincariol e Femsa). Trata-se de uma ação de indenização no valor de aproximadamente R$ 2,8 bilhões, a ser revertido ao Fundo Nacional Antidrogas, à União e ao INSS. A ação pede também que as rés apliquem valor igual ao das suas verbas publicitárias atuais em programas de prevenção e tratamento de dependentes.
Alega o promotor público responsável pela iniciativa que esse valor foi estabelecido com base em danos mensuráveis do SUS, ocasionados pelo aumento de doenças, acidentes de trânsito, homicídios, além de despesas previdenciárias.O cálculo da indenização levou em conta também fatores incomensuráveis, como danos individuais e sociais sem quantificação.
O procurador da República Fernando Lacerda Dias, autor do pedido, pontifica sobre os rumos da propaganda de cerveja e chope, que não se detém apenas na fixação das marcas dos anunciantes junto ao consumidor.Segundo ele, citando pesquisa bancada pela OMS, “a publicidade induz um aumento de 11% no consumo global de bebidas alcoólicas, acarretando até mesmo a iniciação precoce ao consumo”.
O primeiro estrago que a atitude de baixa reflexão do promotor pode causar à atividade publicitária é amedrontar os anunciantes do setor, provocando sensível redução nos seus investimentos publicitários. O segundo, ainda mais grave, é juntar-se ao coro de autoridades públicas e cidadãos mal informados, que costumam colocar a propaganda no banco dos réus, em nome de uma higienização que não lhes compete e cujos malefícios, supostamente advindos pela ausência da mesma, não podem ser atribuídos à atividade publicitária.
No frigir dos ovos, repete-se a história das restrições ao fumo e demais derivados do tabaco, condenando-se a propaganda dos mesmos e não os próprios pelos danos causados à saúde do consumidor. A sua propaganda está proibida, mas cigarros, charutos e similares prosseguem sendo fabricados e vendidos livremente, sem que o não uso da propaganda pelos mesmos tenha diminuído o seu poder de destruição.
O que se quer agora das três cervejeiras líderes de mercado no Brasil – e outras serão acionadas judicialmente na esteira dessa guerra ideológica – é que indenizem a sociedade (leia-se governo) pelos males inerentes à condição humana, sem mais uma vez se levar em conta que os produtos que fabricam e vendem são aprovados pelos doutos especialistas da saúde pública como aptos para o consumo da população.
Fica mais uma vez muito clara, nesse tipo de iniciativa oficial, a intenção de se atingir não o mal que os produtos possam causar, mas a propaganda dos mesmos. E daí podemos inferir, como temos feito repetidas vezes neste espaço, que também é de defesa da boa propaganda e da salutar condução dos negócios publicitários, que movimentam mais de 1% do PIB nacional, além do estímulo que provocam no consumo das outras faixas produtivas que compõem esse mesmo PIB, que se trata de mais uma investida ideológica, muito distante de ser o que parece pretender o seu autor.
O que enxergamos nessas ações públicas, como igualmente em projetos de lei que guardam grande semelhança com as mesmas, é a tentativa de se enfraquecer a mídia nacional, seccionando-lhe a veia jugular da publicidade. A viagem parece ser grande, mas não é: governos de alguns hermanos da América Latina têm chegado ao ponto sem subterfúgios, pois imperam em países de opinião pública menos esclarecida que o nosso.
Calar a imprensa livre é o sonho de todo governo, seja ele democrático ou ditatorial. É comum o jargão oficial espalhado pelo mundo de que a imprensa atrapalha e causa problemas, sem que se valorize o grande lado positivo da mesma que reside no seu poder e missão de fiscalização e denúncia dos governos e suas mazelas.
Isso só é possível, porém, através de uma imprensa não engajada, livre e independente. A receita maior dessa imprensa encontra-se na publicidade e só por isso esta já se torna alvo dos menos escrupulosos.
Não podemos fazer outra leitura dessa fantástica ação movida pelo MPF contra as nossas três principais cervejeiras, quando se sabe que os fabricantes de outras bebidas com maior teor alcoólico não foram incluídos nas suas preocupações com a saúde pública (o que, para nós, é bom que se diga, só faria aumentar a insensatez da Promotoria).
Durante as refregas dos últimos dias na internet, em condenação à iniciativa do MPF, alguém lembrou-se de um fato que é definitivo para dar um basta a esse tipo de demagogia oficial: as drogas não fazem publicidade e são o flagelo do mundo. Nenhum país consegue combatê-las a contento, por mais que se esforcem e até exagerem, como os que adotam a pena de morte para os traficantes.
Aproveitando a crise que ninguém ainda soube explicar de forma convincente, com falhas e contradições quanto à sua intensidade e permanência, pode ser um bom momento para discutirmos o país que queremos quanto ao seu modelo econômico: livre iniciativa ou estatizante, ou ainda, a abominável mescla tropical de um pouco de cada coisa, o que resultará em grave empecilho para o nosso desenvolvimento.
*Jornalista e editor do jornal PropMark
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