Um fato surpreendente chega a conhecimento do mercado publicitário mundial graças a um estudo da Association of National Advertisers (ANA) produzido pela ReedSmith entre os meses de maio e junho. De acordo com o relatório, a prática de pagamento de bônus por veiculação/bonificação de volume (BV), que é institucionalizada no Brasil e demonizada em outros mercados, é muito mais comum nos Estados Unidos do que se imagina. Em consulta a 181 anunciantes de sua base de membros, a entidade aponta que 28% deles já têm conhecimento sobre a concessão de incentivos por parte dos veículos para as agências de mídia daquele país, seja em forma de pagamento de comissões, seja em desconto na compra de espaço. Pelo modelo da publicidade norte-americana, as agências de mídia são separadas das de criação, ao contrário do Brasil. “Os anunciantes precisam entender que a prática não está mais limitada a lugares como China e Brasil. Isso está ocorrendo agora nos Estados Unidos”, aponta o estudo.
Diante da evidente popularização da prática, as principais demandas da associação norte-americana passam pela transparência no processo de concessão de incentivos, além do repasse deste dinheiro ou desconto ao anunciante. Ou seja: os bônus não são condenados, mas desde que atendam a alguns critérios, sendo o bolso do anunciante o principal deles. “É imperativo que os clientes conheçam melhor esses incentivos e que tomem posse de todos os ativos recuperados em nome de seu negócio”, resume Bill Duggan, vice-presidente executivo da ANA. “A única maneira de tornar isso uma realidade para anunciantes e agências é manter transparência clara e contratual sobre práticas de bônus e incentivos”.
A opinião do executivo está em consonância com o que pensam os anunciantes associados à entidade. A grande maioria dos entrevistados acredita que as agências de mídia não devem ficar com o dinheiro ou incentivo recebido dos veículos e sim remetê-lo ao anunciante e quase ninguém acredita que as agências de mídia devem fazer o que ocorre no Brasil, ou seja, ficar com todo o dinheiro do incentivo. Entretanto, poucos anunciantes norte-americanos parecem preparados para a prática, já que apenas 35% deles possuem cláusulas contratuais com suas agências de mídia que as obriga a devolver a eles os incentivos. Do resto, 27% não têm uma cláusula e 37% sequer saber se têm. Outro dado aponta que apenas 13% das empresas levam os incentivos em consideração na hora de determinar o valor e gerenciar o budget de mídia. O estudo mostra ainda uma profunda descrença em relação às intenções das agências de mídia, já que a maior parte dos anunciantes não acredita que elas optem pela melhor estratégia na alocação de mídia quando aceitam bônus. A ANA apontou ainda a televisão como mídia campeã de oferecimento de bônus nos Estados Unidos (segundo os anunciantes, 27% dos casos de incentivos envolveram este meio), seguida por rádio, outdoor e, talvez surpreendentemente aos olhos brasileiros, o meio online, que fica à frente de revistas e jornais.
A posição da entidade em favor da transparência no processo e de repasses de incentivos é a mesma da World Federation of Advertisers (WFA), entidade mundial que representa os anunciantes. “Nós não somos contra a existência de incentivos, mas esperamos que os anunciantes se beneficiem deste volume e frequência de descontos conquistados de forma direta e a partir de qualquer incentivo concedido às suas agências”, esclarece a entidade. Um estudo global da WFA lançado em setembro do ano passado e discutido em abril no Festival of Media 2012, realizado em Montreux, na Suiça, apontou que os anunciantes percebiam que os níveis de incentivos dos veículos às agências de mídia eram maiores do que o que eles de fato recebiam de retorno. Em uma escala de 0 a 3, os países foram ranqueados de acordo com a propensão dos anunciantes a perceber a prática de pagamento de BV. O Brasil, por exemplo, ficou com nota 2,3, ou seja, há uma grande percepção local de que a prática é maior em relação a outros países. Em mercados grandes da Europa como Itália (2,1) e Alemanha (2,0), a taxa foi considerada de média a alta, e na França (1,3) e Reino Unido (1,6) foi de média a baixa, o que não evita a análise de que a prática tem se tornado bastante comum também na Europa e na Ásia. Na China, por exemplo, o índice chegou a 2,8. Os Estados Unidos ficaram fora deste estudo, porque a participação de anunciantes locais foi muito baixa, o que demonstrou o reduzido interesse pelo tema naquela ocasião. Interesse que, aliás, deve ganhar força com a divulgação dos dados da ANA.
Os números apresentados pela WFA na Suíça em abril esquentaram os ânimos de alguns anunciantes. “O balanço das agências do ano passado apontou para uma lucratividade de até 30%. Nenhum anunciante no mundo obteve esse índice”, esbravejou Benjamin Jankowski, diretor global de mídia da Mastercard. Ele se apresentou em um painel composto apenas por anunciantes. Nenhum representante de agências de mídia dentre os centenas presentes na plateia quis discutir o tema, em uma mostra do quanto essa questão é espinhosa. A diferença é que agora os anunciantes estão mais atentos à questão e se posicionando de maneira mais direta. “Uma de nossas prioridades é a transparência e esse estudo pretende informar nossos membros sobre as práticas da mídia que são geralmente envoltas em segredo”, afirma Stephan Loerke, diretor administrativo da WFA. A briga parece estar só no começo e poderá afetar as negociações de contrato de remuneração da publicidade mundial. E o Brasil, com seu modelo que já prevê este tipo de situação, assistirá de camarote, embora com bastante atenção, a esses movimentos. (Via Meio & Mensagem)
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