Os tempos românticos em que o publicitário chegava para trabalhar, olhava seu nome na porta e pensava “esta é a minha agência” parecem, definitivamente, ter ficado para trás no mercado brasileiro. Na semana passada, simultaneamente à notícia de que Erh Ray estava de saída da BorghiErh/Lowe, encerrando uma bem-sucedida história de 10 anos, descobriu-se que a rede Lowe havia adquirido 100% das ações da agência.
Assim como neste caso, em diversas outras negociações recentes os empreendedores brasileiros que construíram negócios de sucesso venderam toda sua participação para as grandes redes internacionais e tomaram, basicamente, três caminhos: ou deixaram o negócio para se aposentar, ou se aventuraram em outras frentes (como Ray), ou permanecem como executivos em posição de destaque, só que sem participação acionária, como Borghi.
Essa nova era transforma o papel dos líderes que construíram o mercado publicitário brasileiro, que deixam de ser donos para serem executivos com obrigações diante de superiores, e é fruto direto do maior interesse dos grupos internacionais, que buscam participação majoritária para poder reportar os resultados das rentáveis agências brasileiras em seus balanços anuais.
O cenário traz, naturalmente, diversas consequências para o mercado publicitário. “O executivo, por mais que queira ter cabeça de empresário, para uma página antes. Ele corre o risco de ser demitido, de perder os benefícios e acaba ouvindo mais pessoas antes de tomar uma decisão”, afirma Aurélio Lopes, presidente da Giovanni+DraftFCB. “Já o empresário sabe que coloca no seu colo o bônus e o ônus de uma decisão. E acaba arriscando mais. A consequência principal é que daqui uns 20 anos teremos um mercado mais bem comportado que terá limitada a capacidade de inventar a arrojar em negócios”, acredita. “Não poderemos arriscar tanto e nem adquirir participações minoritárias em negócios promissores, por exemplo”, completa.
Para publicitários que se acostumaram no decorrer das últimas décadas com o papel de donos de negócios, este pode ser um exercício complicado. “Os agora executivos precisam reconhecer que há limitações nas práticas das multinacionais, que engessam alguns processos. E elas precisam mesmo fazer isso, administrar com algumas regras, porque estão atuando em 100 países”, acrescenta Lopes. “Cabe ao executivo saber se quer estar em uma multinacional”, aponta.
“Quando você é sócio, seu compromisso é muito mais no negócio. Mas quando vira CEO, as responsabilidades envolvem também os colaboradores e acionistas”, reflete Paulo Giovanni, CEO da Leo Burnett Tailor Made. “Com o controle, não tem que dar satisfação. Se eu quisesse decretar um feriado na Giovanni (agência que vendeu em 2005 para a então FCB) eu fazia. Se quisesse contratar um profissional pagando muito acima do mercado, ou não atender determinada conta, eu era livre para tomar essas decisões”.
Ele enxerga a mudança como um amadurecimento do mercado brasileiro e uma aproximação ao modelo internacional. “Isso modifica o escopo da publicidade brasileira, que estará mais próxima do que ela é nos Estados Unidos e Reino Unido. Saímos da era dos empresários para a do capital aberto. Claro que no futuro haverá empresas 100% nacionais no mercado, mas está claro que a globalização chegou à propaganda no Brasil”, avisa. “O Frank Lowe, por exemplo, vendeu sua agência no passado. E, recentemente, o John Hegarty também vendeu a parte que tinha na BBH para o Publicis. Ou seja, estamos passando por um processo pelo qual os fundadores de agências do exterior também já passaram”, compara. “É um cenário diferente que vai forçar a propaganda brasileira a ser mais voltada para o negócio e menos romântica”..
A implicação positiva, diz, é que a atividade publicitária se democratizará. “Quando temos uma agência em cima de dois ou três nomes, o foco de todos fica nessa gerência, que se torna um pouco egoísta. Em uma rede internacional, as oportunidades para os profissionais são maiores”.
Para Pedro Cabral, presidente global da rede Isobar, existe um novo ciclo na publicidade brasileira que será aproveitado pelos executivos que tiverem visão mais internacional. “Estamos em um cenário diferente onde dificilmente se pode construir uma organização forte com atuação em um único país do mundo. A visão tem que ser global e precisamos estar informados e conectados globalmente”, diz o fundador da AgênciaClick que, hoje, é o principal executivo da rede Isobar, do grupo Aegis. “O executivo que fizer isso se renova profissionalmente”, aponta. Nesse sentido, acredita, as oportunidades podem ser até maiores do que quando o profissional era dono.
“Uma coisa positiva é que o executivo que compartilha conhecimento com o exterior tem mais perspectivas do que um empresário limitado ao mercado local”, reforça Lopes, que lidera a rede DraftFCB na América Latina. “O publicitário brasileiro atingiu uma maturidade e adquiriu participação muito boa dentro dos grupos internacionais”, concorda Giovanni, da Leo Burnett Tailor Made, que faz parte do board global da rede.
A mudança da figura do dono de agência para o do executivo não significa, necessariamente, a perda de importância dos publicitários brasileiros. Mas para manter a relevância, uma coisa parece ser fundamental: dedicação ao negócio que não é mais seu. “Após a venda, eu continuei trabalhando como se a agência fosse minha. E isso trouxe oportunidades dentro empresa”, diz Lopes, da Giovanni+DraftFCB, que, após vender a DataMídia para a FCB em 2005, conquistou espaço na empresa que se tornaria DraftFCB, como consequência da fusão de 2006, e se tornou presidente da rede para o Brasil e América Latina.
“Ser sócio ou não, não muda o papel do publicitário. Eles continuam empreendedores em sua essência”, afirma Luiz Lara, presidente da Lew´Lara/TBWA. Ele e seu sócio Jacques Lewkowicz fazem parte da porção que tem enrarecido na publicidade brasileira: os que ainda possuem participação no negócio controlado pela rede. Com 45% das ações da agência, divididos com Lewkowicz, contra 55% da TBWA, ele garante que essas participações continuarão intactas. “As lideranças não deixam de ter independência e não corremos o risco de isso ocorrer. Será que alguém do Publicis manda no Júlio Ribeiro, da Talent, por exemplo? A missão deles passa a ser perpetuar o negócio que construíram, agora dentro de uma rede”, afirma. (Felipe Turlão | Meio & Mensagem)
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