Tida como natural pelos analistas dos efeitos da globalização, a internacionalização do mercado brasileiro de agências de publicidade atingiu seu grau mais elevado dos últimos tempos. Levantamento realizado pelo Meio & Mensagem mostra que 19 empresas controladas total ou parcialmente pelas grandes multinacionais atuantes no Brasil (Aegis, Dentsu, Havas, Interpublic, Omnicom, Publicis e WPP) responderam por um terço de toda a compra de mídia no mercado interno em 2008. São elas Y&R, JWT, AlmapBBDO, DM9DDB, Ogilvy, McCann Erickson, Giovanni+DraftFCB, BorghiErh/Lowe, F/Nazca S&S, Leo Burnett, Lew'LaraTBWA, Euro RSCG, 141 SoHo Square, Publicis, Z+, Dentsu, Salles Chemistri, AgênciaClick e Matos Grey. Vale ressaltar que existem hoje cerca de 3.600 agências certificadas pelo Cenp em todo o País. O cálculo foi feito por meio da comparação entre os valores de compra de mídia divulgados pela publicação Agências & Anunciantes e o montante de todo o investimento publicitário no País, de acordo com o Projeto Inter-Meios. O índice de 33,17% aferido a partir dos resultados de 2008 contrasta com os 24,61% de 2002 - o que denota alta de 8,56% em sete anos.
Considerando-se somente o total de compra de mídia das 50 maiores do ranking Agências & Anunciantes, a participação das multinacionais estrangeiras subiu de 53,82% para 62,62% entre 2002 e 2008 (veja abaixo os principais movimentos de compra e venda deste período). Entretanto, o peso do capital internacional nessa elite do mercado publicitário do País é ainda maior, já que não estão consideradas nesses cálculos as agências nas quais as holdings globais têm participação minoritária - casos de Neogama/BBH (a rede inglesa do Grupo Publicis tem 40% de participação), Master (49% das ações estão nas mãos do WPP) e DCS (que também tem o WPP como sócio minoritário). Além disso, há presença estrangeira também fora da lista das 50 maiores, como na PeraltaStrawberryFrog, SantaClaraNitro e M&C Saatchi (inaugurada no Brasil neste ano). Agências com capital 100% nacional são raridade no topo de Agências & Anunciantes. Entre as dez maiores de 2008, apenas a Africa é 100% nacional - desconsiderando-se aqui a pequena participação da rede DDB, do Omnicom, na composição acionária da holding ABC. Do 11o ao 20o posto aparecem outras quatro nacionais: Talent, PPR, Fischer+Fala e Propeg.
Analisando tal quadro, o presidente da Abap, Luiz Lara, argumenta que é preciso levar em conta que as multinacionais de sucesso no País estão alicerçadas no talento de profissionais brasileiros. "A força do nosso mercado exige uma linguagem própria para nossos consumidores", salienta. Antonio Fadiga, presidente da Fischer+Fala, uma das poucas de capital totalmente brasileiro entre as líderes do ranking, acrescenta que, diferentemente do que ocorre em outros países da América Latina, no Brasil os sócios locais dos maiores grupos globais têm grande poder de decisão e, muitas vezes, mantêm participações acionárias significativas nas operações. O próprio Lara foi um dos empresários brasileiros que negociou a venda de agências nacionais para grandes grupos globais, no caso a hoje Lew'LaraTBWA, da qual é sócio e presidente. Segundo ele, a maior presença multinacional não inviabiliza as operações 100% brasileiras, que poderão ser ajudadas pela disseminação de tecnologia de ponta. "Elas estarão conectadas em redes com networks criativas. A globalização começa na cabeça do publicitário, e não só nas estruturas das agências. Ser globalizado e digital no mundo de hoje não é discurso. É sobrevivência", sustenta.
Nesse cenário, Lara prevê que o movimento de internacionalização será intensificado ainda mais, o que ocorrerá também com a exportação de marcas brasileiras. "O mercado publicitário vai crescer muito, inclusive acompanhando o avanço das multinacionais brasileiras para mercados no exterior", destaca. Guga Valente, presidente do Grupo ABC, também enxerga uma "estrada de mão dupla". "Vide o que ocorre com a Inbev. Creio que esse movimento continuará no futuro, seja pela presença internacional aqui, seja pela presença do Brasil lá fora", declara. Ele acredita que a sobrevida das 100% nacionais dependerá da capitalização. "Quem não se capitalizar para financiar o seu crescimento, via parcerias estratégicas ou investidores, enfrentará dificuldades. Em longo prazo, para ganhar escala ou crescer através de atuação em mercados internacionais, eventualmente terão de contar com participação estrangeira - o que não significa, necessariamente, abrir mais o controle acionário", analisa. Fadiga concorda que o que determinará a sobrevivência das 100% brasileiras será a saúde financeira, mas vê como empecilho o alto custo do capital para empresários nacionais realizarem investimentos no País. "Não temos acesso a capital barato como os grandes grupos multinacionais", reclama.
Sócio-diretor da Talent, uma das 100% nacionais mais bem posicionadas no ranking, José Eustachio credita o movimento de internacionalização à atratividade do País. "O Brasil está crescendo muito mais do que a média dos países e se transformou em um mercado estratégico. O Brasil ficou sexy, e o mundo todo quer cortejá-lo", observa. Uma das negociações mais recentes envolvendo a transferência do controle de uma agência nacional para um grande grupo estrangeiro foi a da Z+, comprada no ano passado pelo Havas. "Chega um momento em que a empresa bate no teto. A partir daí, para alavancar seu crescimento é preciso pensar em um parceiro global", explica Zezito Marques da Costa, sócio e presidente da agência. "Há algum tempo, o talento dos publicitários brasileiros era suficiente para manter seus negócios saudáveis. Atualmente, com o acirramento da concorrência e a fragmentação da mídia, não é mais. Algumas ferramentas fundamentais para o planejamento e a mídia são muito caras para agências independentes", acrescenta Ricardo Reis, presidente para a América Latina do Havas Digital, que hoje divide o comando da Z+ com os sócios locais. Sobre os riscos de ter o capital internacional como controlador das maiores agências atuantes no Brasil, Valente alerta para a "comoditização do produto". "Quando o poder de decisão está distante, tende a não levar em conta, por desconhecimento, a cultura local. Daí o risco de pasteurização", aponta. Já Fadiga observa outro perigo: a possibilidade de as grandes holdings introduzirem no mercado brasileiro, mesmo que "disfarçadas", suas empresas de compra de mídia. (MM)
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