O Tratado do Mercosul, do qual são signatários Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, pode ser a solução do impasse criado entre Brasil e Argentina após a edição da Lei de Serviços de Comunicações Audiovisuais naquele país, conhecida como Lei de los Medios.De acordo com a lei argentina, veículos nacionais do país vizinho, notadamente a televisão aberta e fechada, somente poderão veicular peças publicitárias produzidas em território argentino e compostas de, no mínimo, 60% de profissionais argentinos ou com residência fixa naquele país.
A promulgação da lei, em 2009, e de seu decreto regulador, em agosto de 2010, criou um certo clima de pânico no mercado publicitário brasileiro. A possibilidade de que anunciantes migrassem suas produções para a Argentina e levassem com eles orçamentos milionários gerou uma articulação entre Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) e Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais) para solicitar ao governo federal reciprocidade no tratamento com o mercado vizinho e estudar minuciosamente o texto legal promulgado pelo governo da presidente Cristina Kirchner.
Na última quarta-feira (2), a Abap e a Apro soltaram uma circular a seus associados recomendando que anunciantes e clientes continuem produzindo suas obras audiovisuais no País. Para embasar tal recomendação, o documento brasileiro explicita ressalvas contidas no Decreto 1225/10, da Lei de los Médios. Entre outros, o texto diz que, para veiculação de peças produzidas no exterior, deve-se levar em conta “as condições estabelecidas por tratados e convênios internacionais”, além de “condições de reciprocidade para a difusão de conteúdos audiovisuais publicitários”.
De acordo com Paulo Gomes de Oliveira Filho, consultor jurídico da Abap e redator da circular, o fato do decreto argentino permitir a circulação de obras produzidas em países com os quais haja tratados de reciprocidade, e a existência de trânsito livre entre bens de consumo dentro do Mercosul permitiriam que obras audiovisuais brasileiras fossem veiculadas na Argentina sem restrições. “Porque estamos dentro do Mercosul, não há restrições de circulação de bens e produtos. E filmes são um bem intelectual”, afirma o jurista.
O mercado brasileiro vem acompanhando de perto a implantação da nova lei argentina há cerca de seis meses, quando Abap e Apro fizeram uma consulta informal a AFSCA (Autoridad Federal Argentina de Servicios de Comunicación Audiovisual), órgão encarregado da regulamentação do mercado publicitário argentino e fiscalização do cumprimento da Lei de los Médios.
“Nossa dúvida era ‘o que seria reciprocidade?’ Filmes argentinos podem circular aqui. Mas os filmes brasileiros não poderiam circular naquele país?”, questiona Gomes.Havia, no entanto, uma dúvida de que o recolhimento do Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica) feito no País quebraria a relação de reciprocidade entre Brasil e Argentina, já que não é paga nenhuma taxa para a veiculação de filmes brasileiros no país vizinho.
“Consultamos a AFSCA e não obtivemos resposta. Sem retorno, recorremos à Câmara Argentina de Anunciantes, a ABA de lá. No entendimento da entidade, há reciprocidade e o peso do pagamento da taxa Condecine não altera esse princípio. Com base nesse posicionamento da Câmara, soltamos a circular. O decreto [que possibilitou a aplicação da Lei dos Médios] abre o texto falando de reciprocidade. Mas não delimita o que é reciprocidade”, aponta o consultor. “O parecer da Câmara dos Anunciantes é suficiente. Não está havendo impedimento ou autuação de peças brasileiras veiculadas na Argentina. O que houve foi uma falta de entendimento [do mercado: produtoras, agências e anunciantes]”, complementa Gomes.
A Apro, entidade que participou da elaboração do documento, critica o posicionamento dos anunciantes, que teriam se precipitado no entendimento da lei argentina. “As multinacionais respeitam a legislação e lá a produção é mais barata, a relação do dólar para o peso argentino é de 4 para 1. O canibalismo começou com os clientes, que se precipitaram em decorrência da nova lei argentina e do fator econômico”, destaca Sônia Oliveira Piassa, diretora executiva da Apro.
Em novembro do último ano, o McDonald’s, que havia orçado um megaprojeto de comunicação em pelo menos cinco agências diferentes no Brasil, teria optado por transferir a produção dos principais filmes da campanha para a Argentina, após a promulgação da lei. Informações do mercado apontam que gigantes globais, como Unilever, Coca-Cola e Procter & Gamble, ao transferir a produção de suas peças para o país vizinho, trariam um impacto negativo de R$ 300 a R$ 400 milhões para o mercado publicitário brasileiro. “A Abap está do nosso lado. Não podemos sucatear a indústria publicitária nacional”, afirma Sônia. (Keila Guimarães/Propmark)
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