No meio publicitário, no âmbito do discurso, o rádio tem uma glória ímpar. Parece haver uma dívida tácita. Afinal, foi no rádio que a propaganda deu seus primeiros passos no diálogo com as massas, com o uso do merchandising. Mas, décadas depois, sua era de ouro parece sintonizada num passado bem distante. Profissionais do meio se queixam que foram esquecidos pelo mercado publicitário. As agências dizem que não. O fato é que, desde 2001, os investimentos publicitários em rádio estão estagnados, segundo levantamento do IAB Brasil. Dados do Ibope Monitor apontam que, em 2010, o meio dos spots, dos jingles e da voz marcante de locutores abocanhou apenas 4% do bolo, menos até que a internet, sempre utilizada com parcimônia pelos anunciantes. Foram R$ 3 bilhões em verbas para o rádio, contra cerca de R$ 3,1 bilhões para a web e mais de R$ 40 bilhões destinados à TV, que reina, soberana, no topo dos investimentos. Teriam anunciantes e agências simplesmente preterido o rádio? Mas por quê?
“O modelo não é fixo. Recebemos cada vez menos jobs especificando mídia. Nosso job é resolver o problema do cliente”, diz Moacyr Netto, o Moa, diretor de criação da DM9DDB. Ele garante que os clientes se interessam pelo rádio e buscam utilizar a mídia, mas negócios são negócios e, no final das contas, a escolha do melhor meio é pragmática. “O que rege a comunicação é definir o produto que vende e o público para o qual vendo. Tentamos estimular conceito de que não criamos para rádio. Criamos para a marca”. Em encontro na última semana na Brasil Rádio Show, feira de produtos e congresso realizados em São Paulo entre os dias 17 e 19 de maio, criativos debateram os mistérios da criação para o meio. Moa; Ariane Bernardi, da Salles Chemistri, do grupo Publicis; e Pedro Buzzo, da Talent, enalteceram as qualidades dessa mídia. “Quando falamos em rádio, pensamos em alta penetração, meios de comunicação de massa, regionalização. O rádio vem se reinventando, acompanhando mudanças, está se digitalizando. Tem flexibilidade de acompanhar consumidor em diversos dispositivos”, apontou Ariane. “Rádio é um desafio. Criar imagem na cabeça do consumidor apenas com o uso do som é maravilhoso”, destacou Buzzo.
Mas a plateia que acompanhava o debate, formada por radialistas e empresários do setor, não parecia convencida e reclamou abertamente da falta de atenção das agências. Os comentários, laudatórios, eram quase ressentidos. “Nós deixamos há muito tempo de ser o primo pobre da TV”, protestou Carlos Rubens Doné, diretor executivo da Rede Itatiaia de Rádio. Outro profissional, de uma emissora voltada para o público religioso, se queixou da falta de investimentos. Os criativos refutaram predileção por um meio específico e argumentam que, para veicular campanha, observam a pertinência de cada mídia. “Há muitas rádios e, às vezes, uma emissora de TV abrange todo o público que você quer atingir. Talvez por isso o setor se sinta menos prestigiado”, opinou Buzzo. Moa defendeu que as agências apostam na integração entre os meios. “Vim do digital, mas mesmo vindo da internet, não sou defensor de nenhum meio. Isolamento não é o caminho. A conversação entre eles é que traz maior retorno para o investimento do cliente”.
Em 2010, a Brastemp, marca da norte-americana Whirlpool, utilizou o rádio para comunicar sua nova assinatura. Depois de anos com o slogan “Não é assim uma Brastemp”, a empresa viu que era hora de mudar. Com a entrada de novas empresas no mercado nacional, dominado pela marca, a companhia identificou que sua comunicação, baseada em diferenciação por atributos técnicos, não bastava mais. “A partir do ano passado, entendemos que a guerra dos features não era suficiente e colocamos a marca num nível aspiracional. Aí veio o conceito ‘inspiração muda tudo’”, conta o diretor de criação da DM9DDB, que detém a conta da Brastemp. Em agosto, a agência mobilizou 11 estações de rádio de São Paulo para transmitir, simultaneamente, spots que convidavam os condutores a sorrir para o motorista ao lado. A ação foi filmada e o vídeo, compartilhado no YouTube. A meta da agência era atingir 200 mil views, mas alcançou 2 milhões. “O que vale é integração. A campanha da Brastemp é uma campanha de rádio, TV ou YouTube? Diria que é uma campanha de experiência de marca. Mas é claro que o rádio foi fundamental”, afirmou Moa.
O Brasil hoje conta com mais de cinco mil emissoras de rádio. Para o setor aumentar sua participação no bolo publicitário, é preciso investir na aproximação com o mercado de publicidade, argumenta Claudio Venâncio, presidente da JMCom e ex-sócio da Fischer América. “Falta investimento corporativo para competir por faturamento maior”. Venâncio participou do congresso Brasil Radio Show ao lado de Lula Vieira, especialista em jingles e diretor de marketing da Ediouro; e de Lula Guimarães, diretor da Nova Estratégia. Os palestrantes destacaram oportunidades e desafios para o setor e foram enfáticos ao destacar que as emissoras precisam de departamentos de marketing. “As emissoras podem argumentar com mais dados que apenas sua colocação em audiência para aumentar publicidade. É preciso presença na comunidade de propaganda. Não é verdade que rádio é pobre. Há milênios ouço essa choradeira: ‘ah, não tem dinheiro para criar departamento de marketing’. Se não há dinheiro para investir nisso, então não tem rádio”.
Guimarães destacou que as agências e os anunciantes não devem ser os únicos responsabilizados e que os problemas enfrentados pelo setor podem ser solucionados com maior profissionalização. “Há um problema com as regras de concessão, rádios são criadas e ficam sem norte sobre quem são. Mas não dá para ter resultado sem investimento dos empresários”. Vieira também apontou que anunciantes muitas vezes não pensam no potencial do rádio e que as agências dão pouco prestígio ao meio. “Há péssimos hábitos de veicular o áudio de peças da TV em rádios”, criticou. Uma saída para os impasses entre meio publicitário e emissoras seria apostar em intermediárias, como produtoras de conteúdo. Ele citou campanha criada para o banco BMG, encomendada pela mineira Tom Comunicação à produtora local, para divulgar o serviço de crédito consignado para pessoa física. “Em um mês, a venda de pacotes de crédito cresceu 18%. Foi ideia que partiu de uma intermediadora”. Venâncio afirmou que as rádios deveriam seguir modelo adotado pela TV, que fortaleceu a ala de marketing. “Falta padrão lógico do mercado no rádio. Não vejo ação corporativa. O que existe são vencedores isolados, cada um puxando para o seu lado”. (Keila Guimarães | Propmark)
Deixe seu comentário