Depois de muitas negociações começa a valer, a partir da próxima semana, em 1º de junho, o artigo 19 da Lei 12.232/10, que muda o sistema de faturamento dos veículos de comunicação do País no que diz respeito ao repasse do desconto-padrão às agências de publicidade. O repasse dos 20% de desconto (comissão) sobre a mídia está garantido às agências por lei, segundo o mesmo artigo 19, que estabelece que “Para fins de interpretação da legislação de regência, valores correspondentes ao desconto-padrão de agência pela concepção, execução e distribuição de propaganda, por ordem e conta de clientes anunciantes, constituem receita da agência de publicidade”. No entanto, segundo o mesmo artigo 19, os veículos não podem, para quaisquer fins, faturar e contabilizar tais valores como receita própria, inclusive quando o repasse do desconto-padrão à agência de publicidade for efetivado por meio de veículo de divulgação.
Até hoje, as agências chamadas “plenas” – aquelas que possuem crédito junto aos veículos – e que desenvolvem serviços completos de publicidade, recebiam de seus anunciantes o valor cheio da veiculação e repassavam aos veículos 80% deste valor, retendo sua comissão de 20% – o desconto-padrão. Esta sempre foi a prática do mercado junto às “agências plenas”, que recebiam do veículo uma nota fiscal com o valor cheio, em nome do anunciante, na qual seu desconto de 20% vinha discriminado. Esse processo, porém, muda com a nova lei. Os veículos terão, a partir de 1º de junho, de emitir uma nota relativa somente aos 80% recebidos, e as próprias agências terão de emitir para seus clientes outra nota, referente aos 20% do desconto-padrão recebido. Isso evitará que a Receita Federal taxe os veículos pelo valor cheio cobrado dos anunciantes. Evita também a bitributação, pois ao emitir uma nota de valor cheio para os anunciantes, ainda que discriminando o desconto-padrão, e receber somente 80% das agências, a contabilidade dos veículos acabava tendo de emitir uma nota relativa aos 20%, que era tributado duas vezes. Para a Receita, o desconto-padrão dado às agências é algo interno de cada veículo e não pode ser deduzido do imposto.
No caso das agências pequenas, no entanto, as chamadas agências comissionadas ou corretores que não possuem crédito junto aos veículos, o pagamento pela veiculação sempre foi feito diretamente pelo anunciante, sem a intermediação da agência. O veículo, então, repassava a comissão para a agência. Pelas novas regras, o veículo que recebe o valor cheio passa a ter de pagar o imposto por este valor total, e não apenas os 80% líquidos que permanecem em seu caixa. Nesse caso, o recebimento da comissão da agência passa a ser uma negociação direta entre anunciante e agência. Se os veículos continuarem a fazer o repasse, terão de pagar PIS-Cofins pelo valor bruto recebido. Dificilmente os veículos vão querer fazer isso. Nesse caso, o recebimento do desconto-padrão passa a ser uma questão exclusiva entre agência/corretor e seu cliente. Para as “agências plenas”, essa alteração não representa mudanças importantes. O cliente continuará passando o valor cheio para elas e, em vez de uma única nota do veículo receberá duas notas – uma do veículo, outra da agência. Para as menores, o medo é que os clientes paguem os veículos e demorem a remunerá-los ou mesmo queiram renegociar os valores de remuneração.
Os veículos já estão comunicando ao mercado as mudanças de faturamento. O Cenp realizou várias reuniões, inclusive com os profissionais da área financeira dos veículos, para explicar as mudanças. “Estamos seguindo a recomendação do Cenp e vamos faturar pelo líquido, enquanto a agência faturará sua parte em uma nota separada. A própria ANJ (Associação Nacional dos Jornais) também recomendou a todos os veículos que sigam as novas normas. Agora é o momento de o mercado se unir. Se necessário, vamos interceder junto aos anunciantes para que eles não deixem de remunerar adequadamente suas agências”, afirma Mario Rigon, diretor comercial da Infoglobo. Segundo ele, todos os veículos da Infoglobo estão adotando a medida. Para Claudio Santos, diretor geral de mercado nacional do Grupo RBS, a nova lei torna a contabilidade dos veículos mais clara. O grupo está se preparando internamente para trabalhar com os novos processos e deve comunicar ao mercado, em breve, a adoção dos novos sistemas. Santos é conselheiro do Cenp e participou de diversas reuniões com outras entidades. “A nova norma estabelece melhor os limites e responsabilidades de cada um, torna tudo mais claro. Acredito que no começo haverá um processo natural de acomodação e, naturalmente para as agências menores, há um medo de se abrir um novo flanco de negociação com seus anunciantes. Os problemas terão de ser administrados”, diz Santos. A tendência é que todos os veículos comuniquem as mudanças até o início do mês que vem. Oscar Mattos, diretor de desenvolvimento e negócios do jornal O Estado de S.Paulo, diz que o veículo sempre trabalhou dentro dos padrões do Cenp e assim continuará. “Vamos soltar um comunicado em breve”.
Há algumas semanas, a Fenapro realizou uma reunião para discutir o impacto das mudanças da mecânica de faturamento dos veículos entre as pequenas e médias agências brasileiras. “Teme-se uma onda de renegociações entre agências e anunciantes nos mercados regionais, nos quais, infelizmente, a realidade é um pouco diferente”, ressalta um profissional que preferiu não se identificar. Caio Barsotti, presidente do Cenp, acredita que com as novas regras ninguém deverá sair prejudicado. “A lei tem caráter interpretativo, o que equivale dizer que as relações entre anunciantes, agências e veículos na intermediação da publicidade sempre foram pautados e assim continuarão a ser, na lógica de que o valor do desconto-padrão (fixado pelas Normas-Padrão da Atividade Publicitária, em consonância com o art. 11 da Lei 4.680/65), se realiza quando o anunciante paga o valor total da veiculação, com a agência retendo o desconto-padrão, cujo valor não pode ser inferior a 20%, conforme previsão do texto das mesmas normas, para as agências certificadas”.
Ele diz que tem recebido informações de que com as pequenas agências poderão ocorrer pequenas dificuldades iniciais, relacionadas com a natureza de sua relação com os anunciantes. “Nossa expectativa é de que, com esta medida trazida pela lei, os anunciantes entendam, em sua totalidade, que no preço para a veiculação da sua publicidade está incluída a cessão do direito de uso da criação e do trabalho técnico de mídia realizado pela agência (ambos de caráter intelectual). É claro que este valor, intrínseco da atividade da agência, estende-se também para as operações menores. As pequenas agências, na realidade brasileira, funcionam como o setor de marketing dos pequenos anunciantes. Prestam serviço inestimável”. Para ele, a nova lei é, em realidade, um benefício para agências – pequenas, médias e grandes – por dar transparência ao mercado, para os veículos pela eliminação da dúvida fiscal e, para os anunciantes, traz o benefício da caracterização da despesa como investimento em publicidade – o que inclui o estudo, estratégia, criação e mídia a cargo das agências e a veiculação por parte dos veículos. “Não há mudança de conteúdo, mas de substância”, salienta Barsotti. O executivo afirma que o Cenp está preparando um questionário com perguntas e respostas, no estilo FAQ, para esclarecer as dúvidas mais frequentes sobre o assunto, a ser enviado ao mercado e que também ficará disponível no site da entidade.
A Fenapro convocou líderes dos sindicatos dos mercados regionais para avaliar melhor os impactos da implementação deste novo sistema de faturamento. Durante a reunião, foi formada uma comissão, que apresentará sugestões e alternativas para veículos do interior, com o objetivo de ajudar as agências menores a manterem suas comissões. Uma das opções, segundo o propmark apurou, é que em alguns casos os veículos continuem efetuando o repasse do desconto-padrão às agências, mas que elas se responsabilizem pelo pagamento dos impostos que a operação acarretará aos veículos. “Os veículos querem entrar numa padronização, faturar de um jeito só. Existiria um problema se o anunciante disser que não vai pagar honorário para agência, mas não acreditamos que isso vai acontecer porque há uma relação. As agências regionais já estão conversando com veículos e clientes. Não vai ter aumento de custo para anunciante. A diferença é que ele [anunciante] vai fazer dois cheques em vez de um. E há uma possibilidade de os veículos continuarem fazendo como antes”, confirma Antonio Lino Pinto, sócio da Talent, diretor da Fenapro e vp da Abap.
O presidente da Abap Rio Grande do Sul, Airton Rocha, acredita que quando a medida entrar em vigor vai começar um período de diálogo e adaptação entre as partes envolvidas, ou seja, veículos, agências e anunciantes. “Na verdade não mudou nada, somente a forma do pagamento é que será um pouco diferente. Não houve qualquer alteração no percentual de remuneração da agência. A forma como está sendo cobrada é que está mudando em função de uma acomodação tributária para ficar mais claro para a Receita Federal a participação do veículo e da agência nos valores”. O executivo complementa que para as agências grandes não vai mudar nada, já para as de pequeno porte, que faturam direto aos clientes, vai haver uma pequena mudança na cobrança que exigirá um período de diálogo para o entendimento. “Com o tempo tudo volta ao normal. A remuneração é da agência e na nova fatura do veículo isso vai ficar mais claro”. (Claudia Penteado,Ana Paula Jung e Kelly Dores | Propmark)
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